“O sucesso da BNCC depende de sua implementação”, afirma David Peck, especialista da Curriculum Foundation

Em visita ao Brasil, o presidente da Curriculum Foundation, organização que atua junto a diversos países apoiando a criação e a implementação de bases e currículos nacionais, conversou com o Movimento pela Base Nacional Comum sobre a importância e os desafios de colocar a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) em prática. Confira a entrevista.

Movimento pela Base Nacional Comum – Qual a importância da fase de implementação para o processo de construção da BNCC e no que ela consiste?

David Peck – O sucesso da BNCC depende crucialmente de sua implementação. Esta é uma fase longa e complexa, que envolve vários elementos e atores, e que exige um cuidado muito grande em seu planejamento. Há várias etapas envolvidas e acredito que a comunicação seja uma das mais cruciais, pois envolve os professores. Os professores têm um papel chave no desenvolvimento e na prática da BNCC e eles irão fazer um bom trabalho, um trabalho melhor, se estiverem motivados e sentirem realmente que são parte do processo. Que a BNCC está sendo feita por eles, e não apenas para eles. Eles precisam sentir que estão por trás das mudanças. Então, é preciso ter em mente que a comunicação é essencial não apenas no sentido de instruir sobre a BNCC, mas principalmente no sentido de envolver, consultar, discutir, construir. Não se trata apenas de comunicar que a BNCC foi lançada. É preciso ter um processo contínuo de comunicação com os professores.

MPBNC – A comunicação é uma etapa da implementação que diz respeito apenas aos professores?

Peck – Não, eles não são os únicos. É preciso que a sociedade no geral, e especialmente pais e alunos, saibam o que está acontecendo, por que está acontecendo e o porquê isso é benéfico. É importante deixar claro os efeitos que a BNCC pode trazer para o aprendizado em todo país. A comunicação precisa dar conta de explicar como isso pode acontecer, como as crianças e os adolescentes terão um melhor desempenho ao longo dos anos escolares e que o objetivo é chegar ao fim da jornada escolar em um patamar de desempenho de alto nível. O importante é que ninguém se sinta sem voz, menos importante ou sinta que não está sendo bem representado.

MPBNC – Continuando nas etapas da implementação. Além da comunicação, no que mais essa fase consiste?

Peck – A formação continuada dos professores é importe também, claro. Comunicar é fazer com que os professores entendam o que é isso tudo e porque está sendo feito, mas o treinamento vai além disso e precisa ser executado com excelência. Muitos sistemas educacionais ao redor do mundo têm a mesma ideia de que formar um professor é colocar vários professores em uma sala de aula e ensiná-los como se fossem alunos. Sabemos que essa não é a melhor maneira, especialmente se os professores foram novatos. É necessário um processo mais ativo que isso para que essa parte do plano de implementação funcione. Os líderes das escolas devem entender o seu papel na condução do plano e na condução dos professores através de discussões e estabelecendo rotinas de crescimento profissional em que de professores se ajudem em práticas gerais e trabalhem em conjunto para garantir o sucesso da implementação.

Os recursos didáticos são outro aspecto relevante para o sucesso da implementação. Não dá para esperar que um professor consiga entregar com excelência a BNCC sem que tenham os recursos necessários para isso. Parte do plano de implementação é como os materiais didáticos serão trabalhadas a tempo, o que significa conversar com as editoras, escolher os livros específicos passando por um processo de escolha, impressão, distribuição… é uma tarefa longa e complexa.

MPBNC – E as avaliações? Podemos falar um pouco sobre isso?

Peck – Claro. Parte do processo de implementação da BNCC será realinhar as avaliações para se ter certeza de que o que está sendo aprendido está dentro do esperado. Nós precisamos avaliar nossas crianças, mas o aprendizado de uma criança deveria ser de acordo com suas necessidades e a BNCC deve ser feita de acordo com essas necessidades. As avaliações devem ser alinhadas com a BNCC – e é um erro muito comum colocar a avaliação no topo do currículo, de forma que a nota possa ser mais importante do que o currículo em si. Este é um caminho equivocado. Existem muitas decisões a serem tomadas sobre a frequência com que deveriam ser feitas as avaliações e o quão complexas e profundas deveriam ser as questões abordadas em cada ocasião. Todas essas decisões têm um impacto enorme no aprendizado das crianças. É preciso discutir as avaliações com muito cuidado.


MPBNC – Na sua opinião, qual será o principal desafio para o Brasil, no que diz respeito à implementação, considerando o contexto e o que está se passando no país no atual momento?

Peck – Eu acho que uma das principais questões, que deveria realmente ser levada em consideração, é que a implementação começa já, ao mesmo tempo em que ainda se discute a construção do texto da BNCC. Outro ponto é que, a exemplo de como acontece em outros lugares no mundo, a BNCC foca não apenas no que os alunos devem saber, mas no que eles podem fazer. Elementos de competência, habilidades, as atitudes e os valores que a pessoa adquire, na minha perspectiva, isso configura o melhor da BNCC. Esses aspectos devem ser levados em consideração também no plano de implementação, que deveria se preocupar em como gerar e praticar currículos locais mais modernos, antenados com o século 21, em que o desenvolvimento da criança como um todo é mais importante do que apenas o aprendizado. O aprendizado é muito, muito importante e sempre foi, mas esses outros aspectos são tão importantes quanto.

MPBNC – Quais seriam os impactos concretos e reais do plano e o que os professores veriam de diferente do que a gente tem hoje nas salas de aulas em cinco anos? O que a implementação da BNCC pode nos trazer de novo?

Peck – Se a estratégia de implementação funcionar e a BNCC for bem aplicada, teremos práticas de sala de aula e aprendizado mais consistentes em todo o país. O resultado de todo processo, se bem feito, será o impacto positivo no aprendizado dos alunos, porque o processo se resume em duas coisas maravilhosas: consistência e progresso. Então, em cinco anos, acredito que os índices mostrarão um cenário mais otimista. Os resultados tendem a melhorar.

MPBNC – Qual a importância de rever e atualizar a BNCC ao longo do tempo?

Peck – Nenhum currículo nunca será perfeito. Um dos pontos que a gente discute bastante em todo processo que envolve prática e currículo é a melhoria constante. As boas práticas estão em constante reciclagem e isso precisa estar refletido no currículo. É preciso estabelecer um ciclo de revisão e atualização curricular, que pode ser a cada cinco ou sete anos. Eu diria que a cada 10 anos é muito tempo pois o mundo muda muito rápido. Essa revisão é um processo contínuo. Muitos países adotam uma estratégia de fases, em um determinado ano são revisadas uma ou duas disciplinas ou áreas, no ano seguinte outras… assim a tarefa fica menos complexa e massiva.