Educação integral, aprendizagem escolar e equidade

Artigo publicado no jornal Correiro Braziliense em 01 de março de 2018. 

POR MOZART NEVES RAMOS, diretor do Instituto Ayrton Senna, foi reitor da Universidade Federal de Pernambuco e secretário de Educação de Pernambuco

Fica cada vez mais evidente que, se quisermos efetivamente ampliar os níveis de aprendizagem e reduzir as desigualdades de desempenho escolar entre os alunos mais ricos e os mais pobres, o caminho mais curto para isso será através da oferta de uma educação integral. Aqui estamos falando em desenvolver no ambiente escolar, com intencionalidade, as chamadas habilidades socioemocionais, tais como resiliência, abertura ao novo e colaboração, entre outras. Isso não significa introduzir mais uma disciplina no currículo escolar, mas repensar a sala de aula, na qual o desenho curricular e a formação do professor permitem que tais habilidades sejam materializadas no processo ensino/aprendizagem.

Vários estudos mostram que há uma relação direta entre melhores resultados escolares e maiores níveis socioeconômicos. Um deles pode ser extraído das notas da chamada Prova Brasil, de língua portuguesa e matemática, entre os anos de 2005 e 2013. Em 2005, a diferença das notas de língua portuguesa entre os alunos mais ricos e os mais pobres era de 20 pontos; em 2013, essa diferença cresceu para 43 pontos. Em matemática a situação não se mostrou diferente — na verdade, foi muito similar. O curioso é que o desempenho dos alunos mais pobres melhorou de 2005 para 2013, só que o desempenho dos mais ricos foi acentuadamente maior, e, consequentemente, a desigualdade aumentou!

Nos últimos resultados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa — sigla em inglês), que analisa o letramento de alunos de 15 anos em ciências, leitura e matemática, ficou, por exemplo, destacado o fantástico crescimento de Portugal — o único país da União Europeia que melhorou continuamente o seu desempenho desde 2000. O mais importante é que essa melhora ocorreu promovendo alunos de baixa renda. Os primeiros estudos mostraram que esse fato estava associado ao alto grau de resiliência desses estudantes.

Estudos longitudinais do professor James Heckman, Prêmio Nobel de Economia de 2000, mostraram que as crianças cujas habilidades socioemocionais foram trabalhadas na primeira infância tiveram 44% mais chances de concluir o Ensino Médio e 35% menos chances de se envolver com problemas prisionais na fase adulta da vida.

Outro exemplo vem de estudos do Instituto Ayrton Senna realizados na rede estadual de ensino do Rio de Janeiro com 25 mil alunos do 5° ano do ensino fundamental e do 1° e 3° anos do ensino médio, que mostraram que as competências socioemocionais têm impacto significativo na aprendizagem escolar.

Vem também do Rio de Janeiro, do Colégio Estadual Chico Anysio, mais conhecido como Ceca, a valorização das habilidades socioemocionais desenvolvidas com intencionalidade no currículo escolar. Essa escola foi o epicentro da aplicação nos estabelecimentos de ensino médio do modelo de educação integral desenvolvido pelo Instituto Ayrton Senna em parceria com a rede estadual de ensino. Nas duas últimas provas do Enem, o Ceca ficou em 5° lugar entre todas as escolas públicas e privadas do Brasil de mesmo nível socioeconômico.

Os gestores públicos também entendem que esse é o caminho, como recentemente expressou o secretário de Educação do Ceará e presidente do Conselho Nacional dos Secretários de Educação (Consed), Idilvan Alencar, ao afirmar: “O sucesso na educação não é apenas uma questão de obter bom desempenho em avaliações. São as habilidades socioemocionais que têm o poder de verdadeiramente mudar a juventude deste país”.

É por compreender o valor das habilidades socioemocionais, na perspectiva de uma educação integral, que a Base Nacional Comum Curricular(BNCC), recentemente aprovada, traz no seu escopo dez competências gerais. Em particular as três últimas têm um forte componente socioemocional. Por exemplo, a de número dez consagra valores como autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação com vistas a tomar decisões segundo princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários.

Todos esses aspectos, vinculados à oferta de uma educação integral, respondem não somente aos ganhos de aprendizagem, mas também à busca de reduzir as desigualdades em nosso país. É por isso que o Artigo 205 da Constituição Federal e o artigo 2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) estabelecem que a finalidade da educação nacional é o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.