Você está acompanhando nas redes sociais e na imprensa os debates sobre o futuro do Novo Ensino Médio?
Em abril deste ano, o Ministério da Educação lançou uma consulta pública sobre o novo modelo proposto para a etapa, com o intuito de receber contribuições da sociedade civil e da comunidade escolar para subsidiar as decisões do governo. O prazo inicial da consulta era 6 de junho, mas foi prorrogada por mais trinta dias, seguindo até 6 de julho.
Nós do Movimento pela Base, enquanto organização comprometida com os direitos de aprendizagem de crianças e jovens, e que acredita no potencial do Novo Ensino Médio para melhorar a qualidade da educação, queremos contribuir para o debate. Entendemos que há uma grande lacuna entre a proposta do Novo Ensino Médio e a forma como ela vem sendo implementada na prática – e os ajustes a serem feitos devem considerar este hiato. Ainda assim, para nós, embora a nova estrutura imponha vários desafios para ser colocada em prática, o modelo proposto aponta na direção certa para garantir aos jovens uma educação mais significativa, interessante e que oferece mais protagonismo e oportunidades para o futuro.
A seguir, veja Alice Ribeiro, diretora do Movimento pela Base, comentando sobre as mudanças na etapa e os pontos fortes do Novo Ensino Médio:
A seguir, apresentamos os quatro pilares que dão sustentação à política e que, em nossa visão, apontam na direção de um Ensino Médio conectado ao século 21. Entendemos que esses fundamentos devem ser preservados, são eles:
1. Garantir as aprendizagens essenciais – indicar o que é comum e indispensável ao desenvolvimento integral dos jovens
Uma das inovações do Novo Ensino Médio é propor um formato menos rígido de escola e que se adapte às necessidades e interesses do estudante. Na prática, isso se desenha com uma nova estrutura, que se divide em duas partes:
- Formação Geral Básica: comum a todos os estudantes, é composta pelas aprendizagens essenciais que estão indicadas na BNCC, a Base Nacional Comum Curricular.
- itinerários formativos: compõem a parte flexível, em que cada jovem pode escolher no que quer se aprofundar. Envolvem a oferta de eletivas, do projeto de vida e de aprofundamentos nos conhecimentos acadêmicos ou na educação profissional.
A ideia é garantir nessa primeira parte, a Formação Geral Básica, aquilo que todos os jovens precisam – e têm direito de – aprender. Nela, estão reunidos conhecimentos de todas as disciplinas, que na BNCC recebem o nome de componentes: Língua Portuguesa, Matemática, Biologia, Física, Química, Geografia, História, Filosofia, Sociologia, Artes, Língua Inglesa e Educação Física. Eles são organizados por áreas de conhecimento parade maneira a se promover maior interdisciplinaridade e integração dos saberes. O propósito da Formação Geral Básica é aprofundar e consolidar as aprendizagens essenciais do Ensino Fundamental, desenvolvendo habilidades que tornem o jovem capaz de resolver problemas complexos e refletir sobre soluções. É por isso que a BNCC vai além dos conteúdos e tem em sua essência uma proposta de educação integral, que considera os estudantes em cinco dimensões: intelectual, emocional, social, física e cultural. A ideia é que, durante toda a Educação Básica, sejam trabalhadas 10 Competências Gerais, que preparam crianças e jovens para a vida – em nível pessoal, profissional e social. Em termos práticos, se o Novo Ensino Médio fosse uma pizza, a formação Geral Básica seria a massa: aquilo que é indispensável e comum a todos, o que não dá para viver sem. Para o Movimento pela Base, a existência desse núcleo que consolida as aprendizagens essenciais é fundamental.
2. Garantir escolhas – flexibilizar para tornar a aprendizagem mais interessante e significativa
Uma vez que as aprendizagens essenciais a todos já estão presentes na Formação Geral Básica, o Novo Ensino Médio traz uma parte flexível, um espaço em que o jovem pode escolher o que vai estudar de acordo com os seus interesses. Cada percurso possível é chamado de “itinerário formativo”. Os itinerários podem propor um aprofundamento em uma determinada área ou, no caso dos itinerários técnicos, preparar para o mundo do trabalho. Os itinerários pressupõem a oferta de eletivas, do projeto de vida e de aprofundamentos em conhecimentos acadêmicos ou da educação profissional. A ideia é oferecer ao estudante a possibilidade de mergulhar naquilo que tem mais afinidade e que pode fazer a diferença em suas escolhas lá na frente.
Se você já passou pelo Ensino Médio, deve ter se perguntado muitas vezes: para que eu estou aprendendo isso? Se você, por exemplo, queria seguir na área de Humanas, será que precisava ter se aprofundado em funções de terceiro grau da Matemática ou nas reações orgânicas da Química? Será que não faria mais sentido se dedicar à História, Geografia, Sociologia ou outras matérias da área que já contribuíssem para a sua formação?
Em uma pesquisa realizada pelo Todos pela Educação em 2022 com estudantes de todo o Brasil, 92% dos jovens concordaram que o aluno deveria poder escolher em que área aprofundar seus estudos, seguindo suas preferências. Para o Movimento pela Base, além de tornar a escola mais interessante, dar escolha aos jovens é uma forma de se respeitar a diversidade presente nas juventudes e de tratá-los como protagonistas em seu próprio processo de aprendizagem.No entanto, vale ressaltar que há importantes pontos de melhoria, entre eles: trazer orientações mais claras sobre o funcionamento e a oferta dos itinerários e estabelecer de que forma os conhecimentos adquiridos serão avaliados. Por isso, entendemos que o ENEM 2024 deve olhar para as aprendizagens comuns que os estudantes estudaram desde o início da implementação, em 2022.
3. Aumentar o tempo na escola – ampliar a jornada para uma formação mais completa
A jornada escolar na etapa do Ensino Médio já vem sendo estendida – desde 2022 passou de um mínimo de 800 horas para 1.000 horas por ano – e a perspectiva é chegar a 1.400 horas, ainda que não haja um cronograma para isso. A ampliação do tempo, quando apoiada por currículos mais flexíveis e conectados com a realidade e os anseios dos jovens, entre outros fatores, favorece o desenvolvimento integral e o protagonismo dos estudantes. Por isso, consideramos essencial que os desafios da ampliação da jornada – como por exemplo aqueles relativos ao transporte – sejam equacionados para que esta oferta se dê com qualidade. Além disso, é fundamental que a ampliação da oferta seja cuidadosamente planejada – sobretudo em termos de prazos e taxa de atendimento – juntamente com os estados, a partir de diagnósticos precisos, de escutas dos jovens, e considerando as políticas e ações complementares que precisarão ser viabilizadas.
4. Preparar para o mundo do trabalho – Educação Profissional e Tecnológica articulada ao Ensino Médio
Está na Constituição Federal: o objetivo da educação é “o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.Por isso defendemos um modelo de educação integral, que não ignora que a escola desempenha um papel fundamental para garantir oportunidades no mundo do trabalho. Com o Novo Ensino Médio, a formação técnica e profissional passa a ser uma opção disponível aos estudantes, dentro do Ensino Médio regular e como parte integrante do currículo.
Trazer a preparação para o mundo do trabalho para os currículos é uma resposta aos anseios da grande maioria dos jovens brasileiros. Vale lembrar que, enquanto no Brasil, em 2020, o número de estudantes cursando o Ensino Técnico não passava de 20%, na Finlândia, referência em educação, o índice de jovens cursando essa modalidade é de 70%.
Sobre a implementação do Novo Ensino Médio
O Novo Ensino Médio só está começando a ser colocado em prática no país. A Lei do Ensino Médio, que propôs essa nova estrutura, foi criada em 2017; a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para essa etapa só foi aprovada em 2018 após 3 anos e meio de discussões nacionais; e, as Diretrizes Curriculares Nacionais, em 2019. De lá para cá, as redes estaduais têm se organizado e, desde 2022, graças a uma grande mobilização das secretarias de todo o país, todas as unidades federativas têm seus currículos alinhados ao Novo Ensino Médio homologados, e a política está rodando em todos os estados – em graus diferentes de desenvolvimento. Mais de R$3 bilhões já foram investidos, apenas pelo governo federal, na implementação. Em um país tão diverso como o nosso, os desafios para que as mudanças possam fazer parte da rotina são imensos. Esses primeiros 18 meses de implementação já apontam o que está dando certo e o que necessita de ajustes. É fundamental que o que está dando certo encontre visibilidade e possa inspirar outras localidades; e que os ajustes necessários visem acima de tudo os interesses dos estudantes, caminhem rumo ao futuro – promovendo melhorias incrementais, compreensíveis e exequíveis na política – e possa ser monitorados e acompanhados em uma forte coordenação nacional.