O educador e pesquisador da Universidade de Harvard falou sobre o papel do currículo e das Competências Gerais da BNCC em tempos de pandemia

 

Nestes tempos de crise, a desconexão entre o que é ensinado na escola e os desafios do mundo real fica ainda mais evidente. “Estamos enfrentando escolhas muito difíceis que resistimos fazer durante anos. O que realmente importa na Educação?”, questiona o educador e pesquisador Charles Fadel, fundador do Center for Curriculum Redesign, da Universidade de Harvard, e pesquisador visitante da Harvard Graduate School of Education.  Para ele, é urgente nos perguntarmos qual é o papel das escolas e da aprendizagens exigidas. O que estamos aprendendo? Para quê? E de que forma aplicamos o que aprendemos à nossa realidade? 

Nesse sentido, ele aponta a BNCC como um avanço. “Precisamos ensinar mais do que conhecimento. E a BNCC é um ótimo exemplo de todas outras coisas a serem ensinadas que também são importantes”.

Esse foi o cerne do bate-papo do qual Fadel participou no dia 3 de junho, quando falou sobre o papel do currículo e das Competências Gerais da BNCC em tempos de pandemia a convite das organizações Porvir, Cloe e Movimento Pela Base. Fadel também é autor de livros como “Educação em quatro dimensões: as competências que os alunos devem ter para atingir o sucesso”  e de diversas pesquisas na área da Educação.

Fadel citou como exemplo dessa desconexão entre educação e mundo real a falta de conhecimento geral sobre epidemias e funções exponenciais, conhecimentos que deveriam ser ensinados na escola e que se tornaram tão cruciais no momento que enfrentamos atualmente. “A matemática não foi capaz de ensinar os conceitos profundos por trás da própria matemática. Você pode até conseguir resolver uma equação exponencial, mas não entende a implicação disso em termos humanos”, afirma, se referindo à falta de entendimento sobre as curvas de casos e mortes causadas pelo novo coronavírus.  Fadel apontou ainda a incapacidade de distinguir informações falsas e verdadeiras, a descrença em fatos e a propagação de teorias conspiratórias como fatores que escancaram os problemas do sistema educacional não apenas no Brasil. 

É hora de priorizar

Para o especialista, a palavra de ordem neste momento de aulas remotas é priorização. Ainda que não seja algo estranho à rotina docente – já que a quantidade de conteúdo via de regra excede a carga horária – na circunstância em que estamos vivendo priorizar se torna imperativo. “Nós precisamos escolher o que é essencial. Essas indicações precisam ser explicitadas e os professores precisam ter acesso a essas informações para se perguntarem: em que eu devo investir as minhas horas? Mais em frações ou em trigonometria?”. Para Fadel, uma vez que só estamos conseguindo chegar em alguns alguns e durante um tempo reduzido, é preciso ser ainda mais seletivo. 

Priorizar não é tarefa simples. Escolhas precisam ser feitas não apenas em relação ao conhecimento, mas também em termos de competências e habilidades a serem desenvolvidas nos estudantes. Para Fadel, os professores precisam se questionar: o que é importante e para quê? Nem sempre o conhecimento ou competência que faz a diferença para que o aluno tenha acesso ao ensino superior é o mesmo que vai fazer a diferença na sua formação como indivíduo. O ideal, segundo o especialista, é encontrar um meio termo. 

O papel das avaliações, no cenário de exceção que vivemos, também entrou em pauta. Como avaliar a aprendizagem dos alunos à distância? O que considerar? E as avaliações externas, deveriam ser suspensas? Para o pesquisador, é momento de repensar não apenas o que deve ser levado em conta agora mas, principalmente, qual é o papel real das avaliações. “Avaliações são um problema quando não são bem direcionadas ou executadas. embora haja um grande problema com avaliações antiquadas avaliando coisas erradas”, pontuou.  O caminho, de acordo com o especialista, é  repensar a forma como as avaliações são feitas para garantir que, de fato, contemplem aquilo que é essencial, incluindo também aspectos mais subjetivos do desenvolvimento dos alunos, que precisam ser observados e acompanhados constantemente.

O papel das Competências 

Questionado sobre o papel das Competências Gerais da BNCC no apoio a estudantes, famílias e aos próprios professores nestes tempos de crise, o especialista ressaltou que não é possível desenvolvê-las do dia para a noite. “Competências como coragem e resiliência são extremamente importantes em tempos como o atual. Infelizmente, demora muito tempo para desenvolvê-las – não há como acionar um botão para ser corajoso.”

No cenário atual, o que é possível e deve ser feito. segundo ele, é recorrer à empatia. “Os professores precisam saber que um aluno não vai ouvir se estiver sentindo medo”. É essencial olhar na direção dos estudantes, entender como eles se sentem, com que complexidade estão lidando. “Seus avós podem estar doentes, seus pais, ele mesmo… O aluno pode ter muito para lidar antes de conseguir prestar atenção em frações”, explica. 

Fadel ressaltou ainda que a educação à distância é um privilégio, já que a tecnologia e os meios de comunicação não chegam a todos. Por isso, lembrou da responsabilidade de todos aqueles que usufruem da educação e da informação neste cenário de crise.  “Se por algum motivo, se você tem dinheiro, acesso e poder neste momento, você vai ter que arcar com a responsabilidade de se educar pelo bem da sociedade. Você precisa devolver isso para o sistema”.

Confira abaixo como foi o encontro – com legendas em Português:

Últimas